Desde que entrámos para as Forças Armadas, na década de oitenta do século passado, que temos assistido à perda de poder e de influência da instituição militar, fruto da implementação do regime democrático, pós-25 de novembro, que tem paulatinamente exigido que a instituição militar se subordine ao poder político. Toda a legislação que tem sido produzida desde então, e que começou com a Lei de Defesa Nacional elaborada quando o Professor Doutor Freitas do Amaral era ministro da Defesa, vai neste sentido, tendo progressivamente acabado: o Conselho da Revolução; os tribunais militares; o regime de prestação de serviço militar, entre outros.
Todas as alterações legislativas e intervenção do poder político, mesmo que legítimas, geram na instituição e nos elementos que dela fazem parte alguma polémica interna, uma vez que os militares, inseridos que são numa instituição fortemente hierarquizada e fechada sobre si própria, reagem de forma corporativa contra o que acham ser uma intrusão na sua esfera de decisão, que normalmente implica perda efetiva de poder.
O Exército Português, ramo das Forças Armadas de que sou oriundo, está a ver-se pela primeira vez confrontado com uma investigação judicial conduzida pelo Ministério Público, por causa dos dois acidentes mortais ocorridos durante o processo de formação de tropas Comandos e não sabe nem está preparado para lidar com uma situação deste género, tendo sido com estupefação e indignação que a maioria dos seus elementos viram alguns dos seus serem presos para interrogatório, acusados de um pretenso comportamento patológico, bem como, mais recentemente, com o pedido de audição, por parte do tribunal, dum general no ativo, facto inédito que consideram desmesurado.
A formação de tropas e em especial das tropas especiais é uma formação extremamente exigente e dura, uma vez que estes têm de estar preparados para em caso de necessidade defenderem a pátria com a própria vida. No entanto, é sempre necessário, porque se lida com homens e não com máquinas, ter muito cuidado com a preservação da vida dos nossos militares, da qual somos em última instância responsáveis.
Sabemos que tem havido muita exigência, por parte da instituição, na elaboração dos programas da formação em geral, e muito em especial dos Comandos, por serem nelas que têm ocorrido maior número de acidentes em instrução, alguns deles mortais, tendo sido abolidas algumas provas, que do antecedente se realizavam como a prova de sede, pelo que é com algum espanto que acolhemos o resultado das autópsias, que referiam que os instruendos tinham falecido por golpe de calor, desidratação.
Parece-nos que é necessário e imprescindível que o poder judicial averigue este caso, que apure responsabilidades e que em caso de crime condene os responsáveis, e que os juízes militares nomeados junto dos tribunais civis, conhecedores da instituição e dos exigentes processos de formação, cumpram o seu papel de aconselhamento dos seus pares, para que este processo seja exemplar e não venha a redundar no julgamento da instituição militar, nem no seu achincalhamento.
Coronel da Infantaria na reserva